Wednesday, August 16, 2006

 

coluna 10 de agosto

Essa semana publico um artigo que escrevi sobre John Howard, um dos meus pianistas favoritos e que tive o prazer de conhecer e entrevistar recentemente. Já escrevi sobre ele diversas vezes aqui na coluna, e agora faço uma espécie de biografia para aqueles que querem conhecer a saga deste homem. Howard lançou um ótimo disco esse ano na Inglaterra, e promete um novo trabalho para o final do ano. Definitivamente inspiração é o que não falta. Confira a biografia, e mais abaixo a entrevista exclusiva.

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JOHN HOWARD
A saga de um sobrevivente


Vocês conhecem aquele famoso ditado 'o mundo da voltas', né? Então, ele poderia facilmente se encaixar na vida do pianista John Howard. Aqui temos a verdadeira história de um sobrevivente dos tempos. Uma alma que venceu e alcançou não dinheiro ou sucesso, mas sim satisfação pessoal e espiritual.

A fábula de Howard começa lá nos anos 60, quando o guri do interior
da Inglaterra brincava com o piano do pai, este um pianista profissional. Aos sete anos de idade, Howard teve início a aulas de piano. Já em sua adolescência, fã de Bowie e Bolan, ele começou a compor suas próprias canções e se apresentar em bares e pubs ao redor da região onde morava, Lancashire. Num desses pequenos concertos, em 1973, ele foi 'descoberto' por um agente de produções de Londres, que conseguiu convencer Howard, na época um menino 20 anos, a se mudar para a capital e batalhar uma carreira. No final de 73, conseguiu um contrato com a gravadora CBS, e começava aí uma grande dor de cabeça com a indústria da música. Se existe um exemplo de como gravadoras grandes são uma faca de dois legumes, este exemplo seria o próprio John Howard. Com o contrato assinado, ele teria dinheiro para gravar seu álbum, mas também enfrentaria pressões e pessoas querendo dar ordem de como deveria ser sua música.

Durante o ano de 74, o pianista gravou seu álbum debutante, intitulado
"Kid In a Big World" e lançado no começo de 1975. Gravado nos estúdios
Abbey Road, aliado a uma produção fantástica e contendo dez deslumbrantes faixas, o disco é pura excelência glam, com pianos e uma ou outra orquestração dando o tom, somando à isso a magnífica voz de Howard, cantando histórias sobre garotas tristes, angústias adolescentes e o fato dele agora estar numa cidade grande, como espelha o título do LP. Eu não estaria exagerando se dissesse que "Kid In a Big World" é o equivalente de piano aos sonhos folky de “Hunky Dory”, de Mr. David Bowie. Antes mesmo de lançar esse primeiro trabalho, Howard já enfrentava discordâncias com a CBS. Para a capa do disco, o pianista tirou uma série de fotos abusando de luxo e glamour, em paisagens vitorianas, repletas de maquiagem e ousadia. Porém, a gravadora quando viu, censurou a arte logo de cara, alegando que era muito 'exótica' e 'extravagante'. Fez-se uma nova sessão de fotos, dessa vez sem maquiagem, e assim a gravadora deu sinal verde.

Com 21 anos, recém chegado à Londres, motivado pelo contrato com a gravadora e se apresentando ao vivo em lugares 'chiques', John Howard sonhou que "Kid In a Big World" seria um grande sucesso na época. Entretanto, a indústria da música não achou o mesmo. Dois singles foram escolhidos para promoção do álbum: as esplêndidas "Goodbye Suzie" e "Family Man". Mas as malditas rádios se recusaram a tocar ambas, alegando que a primeira, que falava do suicídio de uma garota, tinha uma letra muito deprimente, e a segunda era muito 'anti-mulheres'. Desapontada com as baixas vendas e a falta de hits, a gravadora decidiu deletar o álbum do catálogo, poucos meses após seu lançamento. Howard alegou que sua arte não era pra ser baseada em hits instantâneos, mas sim ser construída a longo prazo, com turnês e boa promoção e conseqüentemente ir formando uma base de fãs. Mas a CBS não deu ouvidos.

Triste por ter seu trabalho engavetado, John Howard ainda sim não se abalou e continuou a compor. Lá para o final de 1975, ele já tinha um número significante de faixas para gravar um segundo disco. Foi o que fez. Retratando a tristeza e solidão que Londres injeta em qualquer imigrante, as faixas que Howard começou a gravar eram mais minimalistas e melancólicas que seu primeiro disco, e com uma produção mais simples, ainda que peculiar. Foi escolhido até um título para o suposto álbum: "Technicolour Biography". Pouco antes do término das gravações, a CBS quis ouvir as músicas e, claro, alegando falta de hits, a gravadora se recusou a lançar o que seria o segundo trabalho de John Howard. E, sem mesmo ter finalizado as gravações, "Technicolour Biography" foi abandonado.

Contudo, a gravadora ainda apostava no sucesso de Howard, e colocaria ele em estúdio com um grande produtor-maestro Disco da época, conhecido como Biddu, contanto que 'o artista colaborasse'. Houveram tremendas discussões entre Howard e sua gravadora, essa insistindo que o compositor fosse para um lado mais 'soul' e 'disco', já que isso era o que estava vendendo na época. Jovem e ainda inexperiente, Howard não segurou a barra e, em 1976, cedeu para gravar com Biddu. O resultado é o LP "Can You Hear Me OK?", uma bela coleção de músicas com roupagem orquestrada e, digamos, um tanto 'disco-soul-glam'. Foi tirado até um single, a ótima "I Got My Lady". Essa chegou a ser bastante tocada na rádio Capital, mas, pra variar, não conseguiu entrar no playlist da poderosa Radio 1. A CBS decidiu então novamente abandonar o projeto de lançar o LP e finalmente John Howard saiu da gravadora.

Nos próximos 18 meses, Howard voltou a se apresentar em bares e cabarets por Londres. Ele também se envolveu em um acidente doméstico, onde quebrou as costelas, tendo assim que permanecer de repouso por alguns meses. No ano de 1977, John Howard foi apresentado para o produtor Trevor Horn, e juntos começaram a gravar demos. O fruto disso foram vários singles, entre eles o soberbo "I Can Breath Again", jorrando falsettos e disco-music para todos os lados. Entretanto, nenhum single foi muito longe e Trevor Horn, bastante ocupado com sua nova banda The Buggles e seu recém single número 1 "Video Killed The Radio Stars", inevitavelmente se distanciou de Howard. Já no começo dos anos 80, desiludido com a falta de reconhecimento e sucesso, John Howard praticamente largou seu piano, desistiu do sonho e rumou para outros caminhos da vida.

Na primeira metade da década de 80, ele basicamente não compôs nada, e raramente tocava ao vivo, tão pouco gravava alguma faixa. Isso só acontecia quando surgiam convites de amigos. Mas eram sessões mais para divertimento e bebedeira do que para vislumbrar alguma carreira. Pouquíssimos singles foram os frutos dessas gravações, todos lançados por minúsculas gravadoras independentes. Em 1984, recebeu um convite para trabalhar como funcionário da gravadora EMI. Decidiu aceitar a oferta e trabalhou nisso nos próximos 16 anos, tratando de artistas do calibre do Madness, Elkie Brooks e Maria Friedman.

Até que no novo milênio a magia renasceu. Em 2001 "Kid In a Big World", seu primeiro e esquecido clássico álbum, começou a causar auê entre colecionadores de discos por todo o mundo. A copia original em vinil chegou a aparecer no eBay por 500 libras, e Howard passou a receber e-mails de pessoas de todo o planeta perguntando sobre o álbum. Ainda, "Kid In a Big World" foi citado no livro "In Search of The Lost Record". Isso tudo fez com que a gravadora especializada em velharias RPM Records corresse atrás das fitas originais do LP e, no final de 2003, relançou o mesmo em CD, com faixas bônus e um encarte suculento contando a história de John Howard. As tais fotos 'ousadas' que Howard tirou na época com maquiagem e glamour, e que foram banidas pela gravadora, dessa vez fizeram parte do encarte e foram publicadas pela primeira vez.

O relançamento em cd foi absurdamente bem recebido pela imprensa, com
a revista Uncut dando cinco estrelas. Em abril de 2004, o pianista se apresentou ao vivo em Londres depois de um hiato de 25 anos sem tocar na capital inglesa. O show recebeu uma avaliação cinco estrelas do jornal The Guardian. No final daquele ano, a gravadora RPM Records, motivada com a falação acerca de John Howard, decidiu lançar em cd "Technicolour Biography". Foi a primeira vez que o álbum viu a luz do dia, após trinta anos depois de ter sido gravado e abandonado. Melancólico, o cd traz doze pérolas que, mesmo de produção simplória, soa como se fosse trilha sonora para um filme romântico dos anos 30. A canção em destaque é justamente a faixa-título, esbanjando tristeza e brilho nos seus épicos seis minutos. Obviamente, esse trabalho também foi bem recebido pelos jornalistas.

Surgiram alguns modestos shows e também o relançamento em cd de "Can You Hear Me OK?", o tal álbum disco-soul-glam. Junto com ele vieram os singles produzidos por Trevor Horn como faixas bônus. Sentindo boas energias e motivado pelas resenhas positivas que receberam seus discos relançados dos anos 70, no meio de 2004 John Howard finalmente voltou a compor e criar músicas, dessa vez em parceria com o poeta Robert Cochrane. Foi assim que surgiu o cd "The Dangerous Hours", lançado em 2005 pela micro-gravadora The Bad Pressing. O trabalho é basicamente John Howard musicando os poemas de Robert Cochrane e, particularmente, o meu preferido da carreira de Howard. Aqui ele compõe melodias direto das entranhas de seu coração, soando amargo, melancólico, sarcástico e esperançoso. É similar ao seu som dos anos 70, mas há claramente uma maturidade no ar. Um prato cheio pra quem atualmente se identifica com Antony & The Johnsons ou Rufus Wainwright. O disco inteiro compõe-se apenas piano e voz (que voz!), e se você não se tocar com algum dos quatorze números, é porque seu coração congelou. Foi inteiro produzido, composto e tocado por John Howard. É difícil escolher uma como destaque, mas ainda sim eu tento: chore com "Save The Days". E claro, a imprensa especializada adorou o retorno do pianista, com a Uncut dando quatro estrelas para a obra.

Em 2005 Howard fez alguns shows pequenos por Londres e, nesse mesmo ano,
começou a trabalhar num novo álbum, que saiu agora em janeiro de 2006. Com o nome de "As I Was Saying", o cd é composto por dez cancões novíssimas e inéditas (+ uma regravação de uma outra faixa sua), soando como se ele realmente tivesse sido enterrado nos anos 70 junto com sua majestade glam e ressuscitado luxuosamente em 2006. Gravado com o guitarrista/percussionista André Barreau e o baixista Phil King, foi a primeira vez desde sua primeira obra há 30 anos atrás que John Howard compôs as músicas em parceria com um conjunto de músicos, que juntos iam criando as melodias organicamente e construindo as estruturas ideais. Antes, ou ele tinha usado músicos especiais para sessão, ou tinha tocado tudo sozinho. Segundo o próprio, foi um grande prazer poder sentar e assistir a interação dos músicos um com o outro e o fluxo de idéias indo e vindo.

Possuindo uma produção impecável, dessa vez as prósperas linhas de piano dão espaço para violão e órgão. No início de "Magic Of The Mystery" há uma gravação-vinheta de John Howard, rapazinho de quatro anos de idade cantando para seu pai ao piano, para depois cair num majestoso folky-glam, agora Howard adulto, brilhando como só ele sabe. Já "The Dilemma Of The Homosapien" entra num swing cabaret, emulando criaturas como Klaus Nomi e Jobriath, mas não tão dark. E "Lonely Again (Brenda's Song)", uma canção em homenagem a sua falecida mãe, é apenas uma balada linda de morrer.

Um dos melhores números de "The Dangerous Hours", aquele álbum que Howard musicou poemas, é "Dear Glitterheart". Aqui ela ganhou um novo arranjo e, como se isso ainda fosse possível, ficou ainda melhor, ecoando o hino "All The Young Dudes" de David Bowie. A melhor música do cd, entretanto, fica com a faixa de abertura, “Taking It All To Heart”, com alguns dos versos mais bonitos, nostálgicos e verdadeiros desses tempos: “On reflection is a great place to be / When you’re able to make corrections / To the fate of you and me / On reflections is a good state of mind / When you’re a able to make connections / To what we left behind”. Parece que Senhor Howard anda refletindo bastante sobre seu majestoso passado. É exatamente isso.

Sobre suas novas as letras, ele diz que esse cd é muito pessoal. Vivenciando o
interesse das pessoas novamente pela sua arte dos anos 70, isso obviamente o fez pensar e relembrar os 'velhos tempos', e também meio que perceber que já se passaram cinqüenta anos de sua vida. Nesse novo álbum, ele mergulha em angústias do passado, na sua relação com sua mãe, que morreu um mês antes de seu primeiro disco em 1974, sobre como foram aqueles dias em que ele sonhava em ser um pop star. Diz também que mesmo depois de 30 anos, parece que foi ontem que ele lançou seus primeiros trabalhos. A capa de "As I Was Saying" aparece John Howard segurando seu primeiro disco em vinil "Kid In a Big World". As revistas inglesas Uncut e Plan B elogiaram o novo cd.

John Howard é um exemplo de um talento que brilhou para si mesmo e sonhou com fama, reconhecimento e dinheiro, mas acabou sendo derrubado pela vida. E mesmo depois de décadas na obscuridade, não deixou sua arte e magia secar.

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Semanas atrás me encontrei com a lenda John Howard em Londres e bati um papinho rápido. Confira:

A música "Sanctuary's Sojourn", que está no seu novo álbum, é apenas voz e violão. Você pretende incluir elementos folk em suas músicas novas ou esse foi um momento único? Voçê toca violão também?
John Howard:
Aquela faixa foi idéia do meu parceiro Neil. Estávamos testando as músicas para o álbum aqui em nossa casa em Pembrokeshire com André Barreau e Phil King e "Sanctuary's Sojourn" estava ficando difícil de soar como a gente queria. Neil sugeriu que André e eu fizéssemos a coisa sozinhos, de forma simples, e então a gente tentou e deu certo. Eu nunca tinha cantado com um violão ao fundo antes e nós gravamos essa em apenas três takes, sendo que escolhemos a segunda. André veio com o ritmo e tivemos de ajustar o tempo da letra, mas ela é agora uma das favoritas ao vivo, parte por causa que soa tão diferente do meu repertório usual. Tentei tocar violão na minha adolescência, mas não curti, pois cortava meus dedos! Neil comprou pra mim um violão ano passado para eu tentar de novo, mas ainda machuca meus dedos!

Quais compositores e bandas lhe impressionam nos dias de hoje?
JH:
Ouço cada vez menos música nova atualmente, já que mais uma vez estou concentrado nas minhas próprias composições. Quando eu era jovem, nos anos 60 e 70, meus heróis eram os Beatles, Bowie e Bolan. Tornei-me um grande fã de Prince e Kate Bush nos anos 80 e também amava bandas como o Adam and The Ants. Sempre amei Stars, que são fantásticos e soam completamente individual. Agora eu admiro compositores como Rufus Wainwright e sua irmã Martha; Richard Ashcroft é legal também, e sempre que os ouço nas rádios eu curto Franz Ferdinand e Arctic Monkeys, a energia das músicas deles são ótimas. Mas tenho escutado muita pouca música atualmente, com exceção das que estão dentro da minha cabeça!

Você foi praticamente ‘sabotado’ em todos seus lançamentos nos anos 70 por sua gravadora major. E nos anos 80 e 90 você trabalhou para elas, as gravadoras major. Como você se sentiu trabalhando no ‘o outro lado’? Você sente alguma amargura para a indústria da música depois que ela engavetou e abandonou dois dos seus álbuns?
JH:
Eu nunca senti amargura. Em retrospecto agora eu sinto um pouquinho de tristeza de imaginar o que teria acontecido se a CBS tivesse lançado “Technicolour Biography” e “Can You Hear Me OK?” em 1975 e 1976. Tipo ‘o que aconteceria se...’. Mas a vida continua e na época eu apenas aceitei que a gravadora tinha perdido o interesse em mim e seguido em frente com outras coisas. Trabalhar com artistas maravilhosos e talentosos como Elkie Brooks e Maria Friedman foi divertido, e uma oportunidade de assistir gênios trabalhando. Foi só no relançamento de “Kid In a Big World” em 2003 pela RPM que eu comecei a me ver novamente como um artista. Mas agora eu sinto que estou de volta fazendo o que quero e onde eu sempre deveria ter ficado. Mas... c'est la vie!

Como você vê a Grã-Bretanha multi-racial dos dias de hoje? É muito diferente de quando você começou a compor música? Isso afeta você?
JH:
A Grã-Bretanha certamente se tornou mais multi-racial e multi-cultural nos últimos trinta anos. Na minha escola nos anos 60 a gente só tinha uma garota negra e ela era uma espécie de heroína para nós. Acho que é maravilhoso o fato de agora vivermos numa era cosmopolita. Só espero que todos fiquem mais tolerantes no futuro. O que me preocupa é a intolerância para as diferenças. Nós só temos um planeta e precisamos viver harmoniosamente e tratar o mundo e os outros como se fossem nossos amigos.

O que você conhece sobre música brasileira ou mesmo sobre o Brasil?
JH:
Sempre amei a música de Astrud Gilberto e Tom Jobim nos anos 60, e mais recentemente estou ciente de artistas latino americanos como Tito Puente. Acho que a música brasileira parece vital agora com muitos jovens artistas e eu deveria investigar mais. Quando trabalhei na indústria da música nos anos 90 um colega meu trabalhou para a Warners no Rio e ele sempre me chamava para conhecer seu país, e eu deveria ter aceitado o convite. Mas nunca deu. Amigos meus que já tiveram no Brasil dizem que é um país bonito. Talvez um dia...

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Para novidades sobre novos lançamentos e shows, visite: www.kidinabigworld.co.uk ou www.myspace.com/kidinabigworld



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