Tuesday, August 01, 2006

 

coluna 27 de julho

Essa semana não tem nada de música. Acho que é a primeira vez que isso acontece desde que iniciei a coluna, em janeiro de 2005. Mas fique calmo, semana que vem você vai entrar aqui e encontrar esse espaço repleto de resenhas e outras dicas. Por hora, fiquem com um artigo que traduzi da revista Time Out (18 de janeiro 2006) sobre a área de Londres que mais gosto: Soho.

Desde do primeiro dia que pisei em Londres, Soho foi o primeiro bairro onde fui cair. Foi amor a primeira vista. Além de ser a região mais central da cidade, é onde nos deparamos com a melhor cultura e vida boêmia do mundo, com suas esquinas e lojas que respiram arte e mistério. Lojas de discos, pubs do rock, casas de shows, sebos, cafés, bordéis, sex shops, bares ilegais, estúdios de tatuagem, salões de cabeleleiros, points gays e restaurantes vegetarianos. Tem de tudo.

Teve uma época que trabalhei no Soho. Só tenho boas memórias de quando eu passava meu horário de almoço em Soho Square ou atacava as lojas de discos em Berwick Street após o expediente. Sem contar que tenho um amigo que trabalha no pub mais rock e cool do Soho, em Wardour Street. E o infeliz sempre me dava pints de graça. Era um estrago. Posso fazer uma lista imensa de popstars que trombei caminhando pelo Soho. De Thon Yorke à Marc Almond, passando por Jonathan Ross, Elvis Costello e Pete Doherty. Todos adoram o Soho e não é difícil encontrá-los bebendo por lá. Lendo a matéria abaixo, você verá que o lugar sempre foi cheio das pessoas mais excêntricas do mundo artístico e lar dos mais malucos. Enjoy!

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BOHEMIAN RHAPSODY
Por mais de 300 anos, a área entre Oxford Street e Leicester Square tem atraído aqueles que não se encaixam em nenhum outro lugar em Londres. Exilados, artistas e anarquistas: todos encontraram um lar nas suas ruas escuras e seus bares noturnos. Peter Watts e John O’Connell mapeiam uma trajetória pela história vívida do Soho.


Soho sempre foi considerada de certa forma um lugar não-Londres; sua diversidade resume bastante o que faz Londres diferente de outras cidades britânicas. No passado, foi seu estrangeirismo que se destacou. No animado guia de CG Harper, “Queer Things About London” (N.d.T. 1), lançado em 1923, o autor atira um olhar inglês desmoralizador sobre ‘aquele curioso quarteirão estrangeiro no centro de Londres’, comentando alarmado que, ‘no Soho você pode ver mulheres francesas fazendo compras exatamente como elas fazem na França, sem usar chapéu, como nenhuma mulher inglesa jamais faria’. Ele concede que ‘é um quarteirão muito interessante, com uma parte italiana, portanto, cheio de pequenos restaurantes de bichas, cujos porões encontramos baratas’.

Este caráter estrangeiro foi estabelecido em 1680s por um influxo de refugiados Huguenot da França. Recebidos pelo raramente relutante Anti-Catolicismo da Inglaterra, a chegada dos Huguenot coincidiu com uma série de construções na área, ao passo que os velhos campos de caça ao norte de Leicester Square foram desenvolvidos pelo notório construtor Nicholas Barbon (que fez fortuna re-desenvolvendo Londres após o Great Fire of 1666). (N.d.T. 2)

A área tirou seu nome dos gritos de caça dos anciões Anglo-Norman de “Soho! Soho!”, dado pelos caçadores nas perseguições de suas presas quando a área era um bosque. Agora os terrenos arborizados foram substituídos por ruas – Gerrard, Old Compton, Greek e Frith – e os exilados franceses mudaram-se pra lá. Transformando a parte térrea dos prédios em lojas, cafés e restaurantes, a presença deles encorajaram ainda mais a vinda de outros estrangeiros na área: Gregos (fugindo dos Mulçumanos Ottomans), Italianos, Judeus e Alemães chegaram em grande número, estampando suas identidades nas ruas. Depois deles vieram os boêmios – artistas, poetas, filósofos ativistas, cortesãs, agitadores e vagabundos – qualquer um que fosse atraído pelo que fosse diferente.

O caráter do Soho como um refúgio da normalidade foi dessa maneira determinado. Já nos anos 50, o guia “Baedeker’s London” notou que ‘com numerosos restaurantes e lojas estrangeiras, Soho possui um ar não inglês’, enquanto que “In Search Of London” (1951), da HV Morton, observou que, “as pessoas que ocupam as ruas são pessoas forasteiras tão diferentes das pessoas típicas de Londres como as exóticas mercearias, com seus frascos de vinho Chianti, seus queijos parmesão, peixe atum e dentes de alho.

Morton também detectou um ‘ar melancólico’ na área, um astral refletido na associação do Soho com ramo de sexo, uma união do desamparo com desespero. Soho sempre foi famoso pelas suas prostitutas. Em 1788, o guia “Harris’s Guide to Covent Garden Ladies” louvou prostitutas do Soho, como ‘Miss B, do número 18 da Old Compton Street, Soho – uma delicada beldade que acabou de chegar em seu décimo oitavo ano... soberana em cada artifício de contexto amoroso. Na cama, ela é tudo o que um coração deseja, e os olhos admiram; cada limbo em simetria, cada ato coberto com muita ternura; o preço dela: duas libras’.

Lá pelo final do século XVIII, o Hotel Hoopers no Soho Square oferecia quartos para prazer (flagelação era a especialidade) e Joan Goadby operava um bordel exclusivo de estilo parisiense na Berwick Street. Em 1869, a publicação de James Greenwood, “The Seven Cursos Of London”, estimou que havia 152 bordéis no Soho e, quando novas e mais severas leis contra prostituição nas ruas entraram em vigor em 1959, o número subiu, já que as prostitutas foram forçadas a deixar as calçadas. Ao mesmo tempo, os bares The Windmill e Raymond’s Revue estavam armando cabarés de nudez (embora no The Windmill fosse ‘quadros vivos’, com as mulheres sendo obrigadas a ficarem sem se mover para não ter problemas com a lei de censura). Soho se tornou sinônimo de sexo.

Agora é apenas o finalzinho da Berwick Street que mantém aquele sabor decadente e sujo. O comércio de sexo foi primeiro profissionalizado pelos irmãos Maltese Messina nos anos 30, que importava garotas da Franca e Espanha para satisfazer os soldados errantes durante a Segunda Guerra Mundial. Nos anos 70, havia mais de 250 sex shops no Soho. Agora, para a alegria do grupo conservador Soho Society, há menos de 50. As prostitutas que continuam são na maioria controladas por gangsters da Albânia – os mais recentes numa longa linha de cartéis estrangeiros de crime que controlam o Soho. A face criminosa mais famosa da área foi um gangster judeu, Jack Spot, que no dia 11 de agosto de 1955 enfrentou uma violenta briga de faca com seu rival italiano Albert Dimes, na esquina da rua Frith Street com Old Compton Street. A conseqüência da batalha, conhecida como “a briga que nunca foi”, permitiu os Krays que se mudassem para o território (eles administram o clube El Marrocco na Gerrard Street).

Juntamente com os clubs ilegais, haviam os famosos pubs e clubs – The Marquee, 21’s, Ronnie Scotts, The Scene, The French House, De Hem’s, Gargoyle, Metro, The Colony Room, The Coach & Horses, Les Cousins, The Groucho, Tatty Bogles e Soho House – dos quais alguns ainda se mantém, outros são meramente memórias. Foi em tais lugares que a reputação do Soho como um lugar de bêbados causadores foi forjada, visto que Francis Bacon, Dylan Thomas, Jeffrey Bernard e companhia bebiam até cair. O escritor Julian Mclaren-Ross era uma figura familiar no Soho nos anos 40, um dandy elegante, raramente visto sem seu casaco de pele ou sua sombra de olho Aviator. Paul Willets, seu biografo, aponta que naquela época, a diferença entre o Soho Norte (hoje chamado Fitzrovia) e Soho Sul era imensa. ‘Soho Norte era a área da arte’, ele diz. ‘The Fitzroy na Charlotte Street era o principal pub bohêmio dos anos 20 até metade dos 30, quando The Wheatsheaf na rua Rathbone Place tomou conta. Você podia trombar com George Orwell, Stephen Spender, o crítico de teatro James Agate’.

É nesses passos mitológicos que os atuais membros do The Groucho e Soho House esperam caminhar. Esses bêbados da pesada, artistas e atores agora se sobressaem com a duradoura comunidade gay do Soho, que se mudaram vindos de Earls Court no começo dos anos 90. Sempre houveram pubs gays no Soho. O Golden Lion na Dean Street foi ponto de pegação para gays, usado por Noel Coward, e o Fitzroy na Charlotte Street foi popular nos anos 40 e 50, mas o renascimento da rua Old Compton Street como uma vila gay fez os velhos sex shops se tornarem boutiques caras.

Nos dias de hoje, a grana dos gays se mistura com a grana da mídia da rua Wardour Street, para entupir os caríssimos restaurantes e bares. Mas ainda assim, no meio desses caça-níqueis, você pode encontrar as raízes, freqüentados pelos que moram – ou gostariam de morar – na verdadeira margem da vida de Londres. O pessoal da velha guarda resmunga que o Soho não é mais o que era, mas os londrinos ainda emigram aqui para encontrar seu recanto numa área que sempre será um pouco diferente – Londres e não-Londres ao mesmo tempo.


Notas do tradutor

1. Coisas de gays em Londres.
2. Grande Incêndio de 1666, quando a cidade de Londres pegou fogo e foi destruída quase por completa.



xxx



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